(...) A menina, olhava para a perna imóvel dele e não sabia que resolver.
O Pássaro-Verde, no ombro da menina, falou então pela primeira vez:
- Espanta-Pardais! A figueira é tua amiga?
- Bem... Amiga, o que se chama amiga, talvez não seja. Somos vizinhos.
- Mas conversam às vezes?
- Sabe, senhor Pássaro Verde? A figueira é uma árvore que só fala e tem alegria, quando lhe nascem os filhos, os figuinhos da capa rota. Fora disso é uma árvore que pouco convive.
- Eu vou falar com ela!
E, dito isto, voou direitinho à árvore: Fez dum galho uma espécie de baloiço pequenino e, enquanto ia-e-vinha:
- Senhora Figueira, boa tarde!
E a arvore, calada, como se não tivesse ouvido.
- Senhora Figueira, boa tarde!
Nada. Nem um agitar de folhas.
Outro pássaro qualquer teria desistido. Mas, o nosso camarada não era desses (nunca se desiste, claro).
- Olhe lá, Senhora Figueira: podia dar-me um bocadinho de atenção?
- Que é que queres?
- Eu, nada. Para mim, juro-lhe que não quero nada. Mas vinha pedir-lhe um ramo seco, desses que tem aí nos seus braços e já não lhe fazem falta. Era para fazer uma perna ao Espanta-Pardais.
- Uma perna!!? Mas para que quer ele outra perna? Nunca sai do mesmo sítio. Fizeram-no para estar aí e aí deve ficar.
- Ora, Senhora Figueira. Nisso é que a Senhora se engana. Todos nós podemos, se o desejarmos muito, mudar a nossa vida. Até agora, ele não saiu do mesmo sítio porque não pode andar. Mas sonha, dia e noite, com uma viagem.
- Sonha!!?
- Sonha, pois! Para quê essa admiração? Ele sonha com a Estrada-Larga.
- Que disparate! Se já se viu!
- Não, Senhora Figueira. Nunca se viu. Mas para isso é que servem os sonhos. Para inventar coisas, muitas coisas, coisas que fazem a vida bonita a quem a tem feia.
- Bem. Eu não entendo nada do que estás para aí a dizer. Mas, se quiseres um ramo seco, leva-o. Leva-o e deixa-me sossegada. Olha, se ele sempre se for embora, boa viagem!
- Obrigado, Senhora Figueira. Obrigado. Na próxima Primavera virei visitá-la e trarei um fato verde, muito bonito, para as suas folhinhas. Adeus!
- Adeus.
E, resmungando, ainda pensou:
- Que disparate! Um Espanta-Pardais a sonhar com viagens para a Estrada-Larga. Que disparate... (...)
Maria Rosa Colaço in “O Espanta Pardais”